'Bullying' se torna problema sério nas escolas paulistanas
Termo americano é usado para descrever intimidação e humilhação entre adolescentes
Sofrimento. É esta a primeira palavra que salta da boca da adolescente V. O. quando indagada sobre as lembranças guardadas da ex-escola. Embora ainda não esteja matriculada para o ano letivo de 2009, a menina de 11 anos prefere correr o risco de perder o ano a voltar ao mesmo colégio onde estudou até dezembro e onde enfrentou, nos últimos meses, uma espécie de curso intensivo de preconceito e humilhação. Aluna do sexto ano do Ensino Fundamental (antiga quinta série), V. O. teve de sair da escola para escapar da sufocante rotina de agressividade e exclusão. Eram tantos apelidos e tão poucos amigos, tanta gozação e tão pouca solidariedade, que o último dia de aula foi comemorado. “Gostaria de ir para um colégio onde as pessoas se tratassem bem. Que me fizesse sentir vontade de chorar ao ter de deixá-lo, e não alívio”, diz. O trauma de V. O. tem nome, e nome gringo: bullying. A boa notícia é que iniciativas recentes do Tribunal de Justiça e dois projetos de lei em tramitação, um na Assembleia e outro na Câmara, buscam colocar o bullying de castigo. E, quem sabe, jubilá-lo para sempre. Bullying é expressão inglesa que pode ser traduzida como intimidação e define diferentes formas de agressão entre colegas, físicas ou simbólicas, feitas de maneira repetitiva, normalmente sem o conhecimento dos pais e professores. Comete bullying aquele que discrimina, exclui, ameaça, humilha ou machuca, favorecido por ser mais velho, mais forte, mais desenvolvido emocionalmente, ou por gozar do apoio da “turma”. As vítimas, ao contrário, são aquelas que entram no jogo do agressor e se angustiam por não se desvencilhar de seu algoz. V. O. é uma delas. Por não se encaixar em nenhum grupo na escola (“nem o dos populares nem o dos nerds”) e não saber driblar a galhofa, a garota se tornou presa fácil. Segundo ela, sua aparência rendeu apelidos como “gigante” e “loira burra”, e sua condição financeira virou motivo de risada. “Alguns levavam o iPhone para a aula e tiravam sarro do meu celular”, afirma a menina, ex-aluna de um tradicional colégio particular de Perdizes. A falta de fluência na leitura, efeito de um déficit de aprendizagem recém-diagnosticado, também alimentou as agressões. “A professora me obrigava a ler em voz alta e a turma me ‘zoava’ sempre que eu trocava uma letra”, diz. “Uma vez, falei ‘paqueca’ em vez de ‘panqueca’ e um menino passou a semana repetindo no meu ouvido: ‘Paqueca! Paqueca!’” Quando se recusou a ler, ela diz, foi mandada para a diretoria.
Projetos de lei e novos programas adotados pela Justiça paulista buscam coibir o bullying escolar. Os resultados são “para ontem”Geniosa, a menina aprendeu a revidar com safanões sempre que um colega a atentava. Nessas ocasiões, voltava para casa com uma advertência. “Partir para a violência física foi um erro, porque mostrava à escola que ela havia perdido a razão”, diz a mãe. “Aos olhos da escola, imagino que ela tenha assumido o papel de agressora. Mas a escola errou muito ao lidar com ela”, afirma. Segundo a garota, um dos professores propunha jogos durante as aulas e, neles, era comum a classe se unir contra ela. “Outra professora me chamava de ‘fedelha’ e, quando eu brigava com o menino que me ‘zoava’, a coordenadora, irônica, perguntava a data do nosso casamento”, diz. Entrevistada pela reportagem, a coordenadora nega ter se expressado nesses termos e relativiza o testemunho da aluna. Sobre a leitura em voz alta, por exemplo, afirma que houve um único episódio e que a professora só a obrigou a ler, após a terceira recusa, por precisar avaliá-la. “Trata-se de uma aluna com uma postura de enfrentamento, que não faz lição e costuma responder com grosseria”, diz. “Posso afirmar que ela evoluiu em diversos aspectos em 2008.” Não o suficiente para passar de ano. Em dezembro, V. O. contabilizava duas suspensões, meia dúzia de advertências e uma porção de notas vermelhas. Especialistas afirmam que é comum o rendimento escolar cair em caso de bullying, principalmente quando a escola não sabe lidar com a situação. “Uma criança que cresce em um ambiente agressivo perde a auto-estima e deixa de absorver conhecimento”, diz o pediatra Lauro Monteiro Filho, editor do site Observatório da Infância e fundador da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (primeira entidade do país a focar o tema), desativada recentemente por falta de recursos. Segundo o médico, até a dislexia pode ser favorecida pelo bullying, bem como distúrbios como ansiedade e depressão, levando por vezes ao suicídio. Foi largamente noticiado, por exemplo, o drama do gaúcho Vinícius Marques, que se matou em fevereiro de 2006, aos 16 anos, instigado por “amigos” da rede. Em setembro do ano passado, um aluno de 14 anos do CEU Vila Rubi, no Grajaú, foi espancado até a morte por três colegas na saída da escola. Mesmo quando não leva a óbito, o bullying deixa sua herança. “Tanto o agressor quanto a vítima tendem a levar esse comportamento para o futuro, tornando-se adultos violentos e preconceituosos ou medrosos e submissos”, diz a psicanalista infantil Ana Olmos. “As crianças reproduzem modelos que aprendem em casa e os amplificam na escola ao descobrir que, ali, a lei não é aplicada igualmente para todos.
Termo americano é usado para descrever intimidação e humilhação entre adolescentes
Sofrimento. É esta a primeira palavra que salta da boca da adolescente V. O. quando indagada sobre as lembranças guardadas da ex-escola. Embora ainda não esteja matriculada para o ano letivo de 2009, a menina de 11 anos prefere correr o risco de perder o ano a voltar ao mesmo colégio onde estudou até dezembro e onde enfrentou, nos últimos meses, uma espécie de curso intensivo de preconceito e humilhação. Aluna do sexto ano do Ensino Fundamental (antiga quinta série), V. O. teve de sair da escola para escapar da sufocante rotina de agressividade e exclusão. Eram tantos apelidos e tão poucos amigos, tanta gozação e tão pouca solidariedade, que o último dia de aula foi comemorado. “Gostaria de ir para um colégio onde as pessoas se tratassem bem. Que me fizesse sentir vontade de chorar ao ter de deixá-lo, e não alívio”, diz. O trauma de V. O. tem nome, e nome gringo: bullying. A boa notícia é que iniciativas recentes do Tribunal de Justiça e dois projetos de lei em tramitação, um na Assembleia e outro na Câmara, buscam colocar o bullying de castigo. E, quem sabe, jubilá-lo para sempre. Bullying é expressão inglesa que pode ser traduzida como intimidação e define diferentes formas de agressão entre colegas, físicas ou simbólicas, feitas de maneira repetitiva, normalmente sem o conhecimento dos pais e professores. Comete bullying aquele que discrimina, exclui, ameaça, humilha ou machuca, favorecido por ser mais velho, mais forte, mais desenvolvido emocionalmente, ou por gozar do apoio da “turma”. As vítimas, ao contrário, são aquelas que entram no jogo do agressor e se angustiam por não se desvencilhar de seu algoz. V. O. é uma delas. Por não se encaixar em nenhum grupo na escola (“nem o dos populares nem o dos nerds”) e não saber driblar a galhofa, a garota se tornou presa fácil. Segundo ela, sua aparência rendeu apelidos como “gigante” e “loira burra”, e sua condição financeira virou motivo de risada. “Alguns levavam o iPhone para a aula e tiravam sarro do meu celular”, afirma a menina, ex-aluna de um tradicional colégio particular de Perdizes. A falta de fluência na leitura, efeito de um déficit de aprendizagem recém-diagnosticado, também alimentou as agressões. “A professora me obrigava a ler em voz alta e a turma me ‘zoava’ sempre que eu trocava uma letra”, diz. “Uma vez, falei ‘paqueca’ em vez de ‘panqueca’ e um menino passou a semana repetindo no meu ouvido: ‘Paqueca! Paqueca!’” Quando se recusou a ler, ela diz, foi mandada para a diretoria.
Projetos de lei e novos programas adotados pela Justiça paulista buscam coibir o bullying escolar. Os resultados são “para ontem”Geniosa, a menina aprendeu a revidar com safanões sempre que um colega a atentava. Nessas ocasiões, voltava para casa com uma advertência. “Partir para a violência física foi um erro, porque mostrava à escola que ela havia perdido a razão”, diz a mãe. “Aos olhos da escola, imagino que ela tenha assumido o papel de agressora. Mas a escola errou muito ao lidar com ela”, afirma. Segundo a garota, um dos professores propunha jogos durante as aulas e, neles, era comum a classe se unir contra ela. “Outra professora me chamava de ‘fedelha’ e, quando eu brigava com o menino que me ‘zoava’, a coordenadora, irônica, perguntava a data do nosso casamento”, diz. Entrevistada pela reportagem, a coordenadora nega ter se expressado nesses termos e relativiza o testemunho da aluna. Sobre a leitura em voz alta, por exemplo, afirma que houve um único episódio e que a professora só a obrigou a ler, após a terceira recusa, por precisar avaliá-la. “Trata-se de uma aluna com uma postura de enfrentamento, que não faz lição e costuma responder com grosseria”, diz. “Posso afirmar que ela evoluiu em diversos aspectos em 2008.” Não o suficiente para passar de ano. Em dezembro, V. O. contabilizava duas suspensões, meia dúzia de advertências e uma porção de notas vermelhas. Especialistas afirmam que é comum o rendimento escolar cair em caso de bullying, principalmente quando a escola não sabe lidar com a situação. “Uma criança que cresce em um ambiente agressivo perde a auto-estima e deixa de absorver conhecimento”, diz o pediatra Lauro Monteiro Filho, editor do site Observatório da Infância e fundador da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (primeira entidade do país a focar o tema), desativada recentemente por falta de recursos. Segundo o médico, até a dislexia pode ser favorecida pelo bullying, bem como distúrbios como ansiedade e depressão, levando por vezes ao suicídio. Foi largamente noticiado, por exemplo, o drama do gaúcho Vinícius Marques, que se matou em fevereiro de 2006, aos 16 anos, instigado por “amigos” da rede. Em setembro do ano passado, um aluno de 14 anos do CEU Vila Rubi, no Grajaú, foi espancado até a morte por três colegas na saída da escola. Mesmo quando não leva a óbito, o bullying deixa sua herança. “Tanto o agressor quanto a vítima tendem a levar esse comportamento para o futuro, tornando-se adultos violentos e preconceituosos ou medrosos e submissos”, diz a psicanalista infantil Ana Olmos. “As crianças reproduzem modelos que aprendem em casa e os amplificam na escola ao descobrir que, ali, a lei não é aplicada igualmente para todos.
Fonte: CAMILO VANNUCHI. Época São Paulo, o site da cidade. Bullying se torna problema sério nas escolas paulistas. Disponivél em:
http://revistaepocasp.globo.com/Revista/Epoca/SP/0,,EMI25453-16206,00-BULLYING+SE+TORNA+PROBLEMA+SERIO+NAS+ESCOLAS+PAULISTANAS.html. acessado em: 23/09/09 ás 17:14.
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